Como já referi no post anterior, o fado "Rosa enjeitada" foi estreado no teatro de revista, tendo aí tido como intérpretes duas das mais representativas cantadeiras-actrizes do séc. XX - Hermínia Silva e Berta Cardoso. Este documento, que aqui se reproduz, corresponde à fala cantada pela Rosa Engeitada (letra do fado), papel desempenhado por Berta Cardoso.
A letra deste fado resume, digamos assim, a trama que enforma o melodrama (1901), da autoria de D. João da Câmara, cujo nome é o da personagem principal, a Rosa Engeitada; e, afinal, quem era essa Rosa engeitada? uma rameira, que vive com Francisco (o homem de quem gosta e que sustenta) e que pensa mudar de vida, mas não consegue, não tem coragem... até que um dia, conhece um outro rapaz, o João - trabalhador, simples, honesto -, em tudo a antítese do Francisco, nascendo desse encontro o amor verdadeiro que faz renascer na meretriz a esperança de uma nova vida...
É, como se vê, uma história actualíssima, melhor, de todos os tempos... um drama vivencial cujas implicações sociais não têm hoje, digo eu, a carga reprobatória e de indesculpabilidade que tinham então, mesmo já em finais da primeira metade do século XX, altura em que Maria Teresa de Noronha se deixou enCANTAR por este fado, da autoria de José Galhardo e de Raúl Ferrão, enCANTAmento bem patente na sua magnífica interpretação, recordada neste vídeo.
Já agora, a talho de foice, presta-se perguntar: é este o fado que os especialistas designam por "fado aristocrático"?!...
Esta é uma etiqueta com que sempre embirrei porque não alcanço qualquer bom motivo para que se empregue. Vejamos. À semelhança do designado "Fado Marialva", onde cabem todos os fados com determinada temática, o "Fado Aristocrático" deveria designar e englobar os fados que obedecessem a uma certa temática, por certo relacionada com a aristocracia, ou forma de poema ou qualquer música associada, mas isso não se verifica efectivamente... Assim, essa designação apenas indicará, por certo, o estatuto aristocrático de alguns intérpretes do Fado, e, nesta perspectiva, parece-me absolutamente desadequada, melhor, incorrecta, porque, em boa verdade, não é o fado que passa a ser aristocrático, mas sim os aristocratas que passam a ser fadistas... E, embora eu não consiga descortinar a mais valia de colocar numa mesma gaveta os aristocratas que enfileiraram pela carreira de fadistas e etiquetá-los, o que desde logo se me afigura até uma forma de discriminação, se bem que positiva, entendo que a designação mais correcta seria, então, a de "Fadistas Aristocráticos", pois é disso que se trata, e nunca "Fado Aristocrático" que, até prova em contrário, não existe.
O Fado é do Povo e, por isso, não é aristocrático, mesmo que cantado por um fidalgo, acompanhado ao piano, no salão do seu palacete...
Mas, não sendo aristocrático, o Fado é nobre, tão nobre quanto o Povo que canta e que o canta, aristocratas incluídos...
Porque o Fado é a expressão da Alma de um Povo que na História é reconhecido pela sua nobreza de carácter! Esta é a verdadeira nobreza e a mais valia do Fado.
VÍDEO DE HOMENAGEM